"Há mágoas íntimas que não sabemos distinguir, por o que contêm de subtil e de infiltrado, se são da alma ou do corpo, se são o mal-estar de se estar sentindo a futilidade da vida, se são a má disposição que vem de qualquer abismo orgânico – estômago, fígado ou cérebro. Quantas vezes se me tolda a consciência vulgar de mim mesmo, num sedimento torvo de estagnação inquieta! Quantas vezes me dói existir, numa náusea a tal ponto incerta que não sei distinguir se é um tédio, se um prenúncio de vómito! Quantas vezes..."
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Multidões
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Despojo/014
"Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mónada íntima, da palavra mágica da alma."
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Anónimo
Despojo/013
"E eu, cujo espírito de crítica própria me não permite senão que veja os defeitos, as falhas,eu que não ouso escrever mais que trechos, bocados, excertos do inexistente, eu mesmo, no pouco que escrevo, sou imperfeito também."
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Anónimo
Despojo/011
"O homem de ciência reconhece que a única realidade para si é ele próprio, e o único mundo real o mundo como a sua sensação lho dá. Por isso, em lugar de seguir o falso caminho de procurar ajustar as suas sensações às dos outros, fazendo ciência objectiva, procura, antes, conhecer perfeitamente o seu mundo, e a sua personalidade. Nada mais objectivo do que os seus sonhos. Nada mais seu do que a sua consciência de si."
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Anónimo
Despojo/009
"Tendo visto com que lucidez e coerência lógica certos loucos justificam, a si próprios e aos outros, as suas ideias delirantes, perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez."
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Anónimo
Despojo/008
"A náusea física directa, sentida directamente no estômago e na cabeça, maravilha estúpida da sensibilidade desperta..."
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Anónimo
Despojo/006
"Teorias metafísicas que possam dar-nos um momento a ilusão de que explicámos o inexplicável; teorias morais que possam iludir-nos uma hora com o convencimento de que sabemos por fim qual, de todas as portas fechadas, é o ádito da virtude; teorias políticas que nos persuadam durante um dia que resolvemos qualquer problema, sendo que não há problema solúvel, excepto os da matemática - resumamos a nossa atitude para com a vida nesta acção conscientemente estéril, nesta preocupação que, se não dá prazer, evita, ao menos, sentirmos a presença da dor."
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Anónimo