"Só o importante é que o sonhador vê. A realidade verdadeira dum objecto é apenas parte dele; o resto é o pesado tributo que ele paga à matéria em troca de existir no espaço."*
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Despojo/080
"Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior. Sinto isto não metafisicamente, mas com os sentidos usuais com que colhemos a realidade. A nossa frivolidade de ontem é hoje uma saudade constante que me rói a vida."*
Despojo/025
"Todos estes meios-tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, tristes de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas."
*
*
Refugo/04
"O céu negro ao fundo do sul do Tejo era sinistramente negro contra as asas, por contraste, vividamente brancas das gaivotas em voo inquieto. O dia, porém, não estava tempestuoso já. Toda a massa da ameaça da chuva passara para por sobre a outra margem, e a cidade baixa, húmida ainda do pouco que chovera, sorria do chão a um céu cujo Norte se azulava ainda um pouco brancamente. O fresco da Primavera era levemente frio.
Numa hora como esta, vazia e imponderável, apraz-me conduzir voluntariamente o pensamento para uma meditação que nada seja, mas que retenha, na sua limpidez de nula, qualquer coisa da frieza erma do dia esclarecido, com o fundo negro ao longe, e certas intuições, como gaivotas, evocando por contraste o mistério de tudo em grande negrume.
Mas, de repente, em contrário do meu propósito literário íntimo, o fundo negro do céu do Sul evoca-me, por lembrança verdadeira ou falsa, outro céu, talvez visto em outra vida, em um Norte de rio menor, com juncais tristes e sem cidade nenhuma. Sem que eu saiba como, uma paisagem para patos bravos alastra-se-me pela imaginação e é com a nitidez de um sonho raro que me sinto próximo da extensão que imagino.
Terra de juncais à beira de rios, terreno para caçadores e angústias, as margens irregulares entram, como pequenos cabos sujos, nas águas cor de chumbo amarelo, e reentram em baías limosas, para barcos de quase brinquedo, em ribeiras que têm água a luzir à tona de lama oculta entre as hastes verdenegras dos juncos, por onde se não pode andar.
A desolação é de um céu cinzento morto, aqui e ali arrepanhando-se em nuvens mais negras que o tom do céu. Não sinto vento, mas há-o, e a outra margem, afinal, é uma ilha longa, por detrás da qual se divisa - grande e abandonado rio! - a outra margem verdadeira, deitada na distância sem relevo.
Ninguém ali chega, nem chegará. Ainda que, por uma fuga contraditória do tempo e do espaço, eu pudesse evadir-me do mundo para essa paisagem, ninguém ali chegaria nunca. Esperaria em vão o que não saberia que esperava, nem haveria senão, no fim de tudo, um cair lento da noite, tornando-se todo o espaço, lentamente, da cor das nuvens mais negras, que pouco a pouco se mergiam no conjunto abolido do céu.Numa hora como esta, vazia e imponderável, apraz-me conduzir voluntariamente o pensamento para uma meditação que nada seja, mas que retenha, na sua limpidez de nula, qualquer coisa da frieza erma do dia esclarecido, com o fundo negro ao longe, e certas intuições, como gaivotas, evocando por contraste o mistério de tudo em grande negrume.
Mas, de repente, em contrário do meu propósito literário íntimo, o fundo negro do céu do Sul evoca-me, por lembrança verdadeira ou falsa, outro céu, talvez visto em outra vida, em um Norte de rio menor, com juncais tristes e sem cidade nenhuma. Sem que eu saiba como, uma paisagem para patos bravos alastra-se-me pela imaginação e é com a nitidez de um sonho raro que me sinto próximo da extensão que imagino.
Terra de juncais à beira de rios, terreno para caçadores e angústias, as margens irregulares entram, como pequenos cabos sujos, nas águas cor de chumbo amarelo, e reentram em baías limosas, para barcos de quase brinquedo, em ribeiras que têm água a luzir à tona de lama oculta entre as hastes verdenegras dos juncos, por onde se não pode andar.
A desolação é de um céu cinzento morto, aqui e ali arrepanhando-se em nuvens mais negras que o tom do céu. Não sinto vento, mas há-o, e a outra margem, afinal, é uma ilha longa, por detrás da qual se divisa - grande e abandonado rio! - a outra margem verdadeira, deitada na distância sem relevo.
E, de repente, sinto aqui o frio de ali. Toca-me no corpo, vindo dos ossos.
Respiro alto e desperto. O homem, que cruza comigo sob a Arcada ao pé da Bolsa, olha-me com uma desconfiança de quem não sabe explicar. O céu negro,apertando-se, desceu mais baixo sobre o Sul."
Resto/478
"Esse lugar activo de sensações, a minha alma, passeia às vezes comigo conscientemente pelas ruas nocturnas da cidade, nas horas tedientas em que me sinto um sonho entre sonhos de outra espécie, à luz do gás, pelo ruído transitório dos veículos.
Ao mesmo tempo que em corpo me embrenho por vielas e sub-ruas, torna-se-me complexa a alma em labirintos de sensação. Tudo quanto de aflitivamente pode dar a noção de irrealidade e de existência fingida, tudo quanto soletra, sem ser ao raciocínio, mas concreta e mente, o quanto é mais do que oco o lugar do universo, desenrola-se-me então objectivamente no espírito apartado. Angustia-me, não sei porquê, essa extensão objectiva de ruas estreitas, e largas, essa consecução de candeeiros, árvores, janelas iluminadas e escuras, portões fechados e abertos, vultos heterogeneamente nocturnos que a minha vista curta, no que de maior imprecisão lhes dá, ajuda a tornar subjectivamente monstruosos, incompreensíveis e irreais.
Fragmentos verbais de inveja, de luxúria, de trivialidade vão de embate ao meu sentido de ouvir. Sussurrados murmúrios ondulam para a minha consciência.
Pouco a pouco vou perdendo a consciência nítida de que existo coextensamente com isto tudo, de que realmente me movo, ouvindo e pouco vendo, entre sombras que representam entes e lugares onde entes o são. Torna-se-me gradualmente, escuramente, indistintamente incompreensível como é que isto tudo pode ser em face do tempo eterno e do espaço infinito.
Passo aqui, por passiva associação de ideias, a pensar nos homens que desse espaço e desse tempo tiveram a consciência analisadora e compreendedoramente perdida. Sente-se-me grotesca a ideia de que entre homens como estes, em noites sem dúvida como esta, em cidades decerto não essencialmente diversas da em que penso, os Platões, os Scotus Erigenas, os Kants, os Hegels como que se esqueceram disto tudo, como que se tornaram diversos desta gente. E eram da mesma humanidade.
Eu mesmo que passeio aqui com estes pensamentos, com que horrorosa nitidez, ao pensá-los, me sinto distante, alheio, confuso e(...)
Acabo a minha solitária peregrinação. Um vasto silêncio, que sons miúdos não alteram no como é sentido, como que me assalta e subjuga. Um cansaço imenso das meras coisas, do simples estar aqui, do encontrar-me deste modo pesa-me do espírito ao corpo. Quase que me surpreendo a querer gritar, de afundando-me que me sinto em um oceano de uma imensidão que nada tem com a infinidade do espaço nem com a eternidade do tempo, nem com qualquer coisa susceptível de medida e nome. Nestes momentos de terror supremamente silencioso não sei o que sou materialmente, o que costumo fazer, o que me é usual querer, sentir e pensar. Sinto-me perdido de mim mesmo, fora do meu alcance. A ânsia moral de lutar, o esforço intelectual para sistematizar e compreender, a irrequieta aspiração artista a produzir uma coisa que ora não compreendo, mas que me lembro de compreender, e a que chamo beleza, tudo isto se me some do instinto do real, tudo isto se me afigura nem digno de ser pensado inútil, vazio e longínquo. Sinto-me apenas um vácuo, uma ilusão de uma alma, um lugar de um ser, uma escuridão de consciência onde estranho insecto procurasse em vão sequer a cálida lembrança’ de uma luz."
Ao mesmo tempo que em corpo me embrenho por vielas e sub-ruas, torna-se-me complexa a alma em labirintos de sensação. Tudo quanto de aflitivamente pode dar a noção de irrealidade e de existência fingida, tudo quanto soletra, sem ser ao raciocínio, mas concreta e mente, o quanto é mais do que oco o lugar do universo, desenrola-se-me então objectivamente no espírito apartado. Angustia-me, não sei porquê, essa extensão objectiva de ruas estreitas, e largas, essa consecução de candeeiros, árvores, janelas iluminadas e escuras, portões fechados e abertos, vultos heterogeneamente nocturnos que a minha vista curta, no que de maior imprecisão lhes dá, ajuda a tornar subjectivamente monstruosos, incompreensíveis e irreais.
Fragmentos verbais de inveja, de luxúria, de trivialidade vão de embate ao meu sentido de ouvir. Sussurrados murmúrios ondulam para a minha consciência.
Pouco a pouco vou perdendo a consciência nítida de que existo coextensamente com isto tudo, de que realmente me movo, ouvindo e pouco vendo, entre sombras que representam entes e lugares onde entes o são. Torna-se-me gradualmente, escuramente, indistintamente incompreensível como é que isto tudo pode ser em face do tempo eterno e do espaço infinito.
Passo aqui, por passiva associação de ideias, a pensar nos homens que desse espaço e desse tempo tiveram a consciência analisadora e compreendedoramente perdida. Sente-se-me grotesca a ideia de que entre homens como estes, em noites sem dúvida como esta, em cidades decerto não essencialmente diversas da em que penso, os Platões, os Scotus Erigenas, os Kants, os Hegels como que se esqueceram disto tudo, como que se tornaram diversos desta gente. E eram da mesma humanidade.
Eu mesmo que passeio aqui com estes pensamentos, com que horrorosa nitidez, ao pensá-los, me sinto distante, alheio, confuso e(...)
Acabo a minha solitária peregrinação. Um vasto silêncio, que sons miúdos não alteram no como é sentido, como que me assalta e subjuga. Um cansaço imenso das meras coisas, do simples estar aqui, do encontrar-me deste modo pesa-me do espírito ao corpo. Quase que me surpreendo a querer gritar, de afundando-me que me sinto em um oceano de uma imensidão que nada tem com a infinidade do espaço nem com a eternidade do tempo, nem com qualquer coisa susceptível de medida e nome. Nestes momentos de terror supremamente silencioso não sei o que sou materialmente, o que costumo fazer, o que me é usual querer, sentir e pensar. Sinto-me perdido de mim mesmo, fora do meu alcance. A ânsia moral de lutar, o esforço intelectual para sistematizar e compreender, a irrequieta aspiração artista a produzir uma coisa que ora não compreendo, mas que me lembro de compreender, e a que chamo beleza, tudo isto se me some do instinto do real, tudo isto se me afigura nem digno de ser pensado inútil, vazio e longínquo. Sinto-me apenas um vácuo, uma ilusão de uma alma, um lugar de um ser, uma escuridão de consciência onde estranho insecto procurasse em vão sequer a cálida lembrança’ de uma luz."
Resto/476d
"Vendo-me de fora, como quase sempre me vejo, eu sou um inapto à acção, perturbado ante ter que dar passos e fazer gestos, inábil para falar com os outros, sem lucidez interior para me entreter com o que me cause esforço ao espírito, nem sequência física para me aplicar a qualquer mero mecanismo de entretenimento trabalhando.
Isso é natural que eu seja. O sonhador entende-se que seja assim. Toda a realidade me perturba. A fala dos outros lança-me numa angústia enorme. A realidade das outras almas surpreende-me constantemente. A vasta rede de inconsciências que é toda a acção que eu vejo parece-me uma ilusão absurda, sem coerência plausível, nada.
Mas se se julgar que desconheço os trâmites da psicologia alheia, que erro a percepção nítida dos motivos e dos íntimos pensamentos dos outros, haverá engano sobre o que sou.
Porque eu não só sou um sonhador, mas sou um sonhador exclusivamente. O hábito único de sonhar deu-me uma extraordinária nitidez de visão interior. Não só vejo com espantoso e às vezes perturbante relevo as figuras e os décors dos meus sonhos, mas com igual relevo vejo as minhas ideias abstractas, os meus sentimentos humanos – o que deles me resta –, os meus secretos impulsos, as minhas atitudes psíquicas diante de mim próprio. Afirmo que as minhas próprias ideias abstractas, eu as vejo em mim, eu com uma interior visão real as vejo num espaço interno. E assim os seus meandros são-me visíveis nos seus mínimos."
Isso é natural que eu seja. O sonhador entende-se que seja assim. Toda a realidade me perturba. A fala dos outros lança-me numa angústia enorme. A realidade das outras almas surpreende-me constantemente. A vasta rede de inconsciências que é toda a acção que eu vejo parece-me uma ilusão absurda, sem coerência plausível, nada.
Mas se se julgar que desconheço os trâmites da psicologia alheia, que erro a percepção nítida dos motivos e dos íntimos pensamentos dos outros, haverá engano sobre o que sou.
Porque eu não só sou um sonhador, mas sou um sonhador exclusivamente. O hábito único de sonhar deu-me uma extraordinária nitidez de visão interior. Não só vejo com espantoso e às vezes perturbante relevo as figuras e os décors dos meus sonhos, mas com igual relevo vejo as minhas ideias abstractas, os meus sentimentos humanos – o que deles me resta –, os meus secretos impulsos, as minhas atitudes psíquicas diante de mim próprio. Afirmo que as minhas próprias ideias abstractas, eu as vejo em mim, eu com uma interior visão real as vejo num espaço interno. E assim os seus meandros são-me visíveis nos seus mínimos."
Resto/476b
"Reduzir a sensação a uma ciência, fazer da análise psicológica um método preciso como um instrumento de micróscopio – pretensão que ocupa, sede calma, o nexo de vontade da minha vida...
É entre a sensação e a consciência dela que se passam todas as grandes tragédias da minha vida. Nessa região indeterminada, sombria, de florestas e sons de água toda, neutral até ao ruído das nossas guerras, decorre aquele meu ser cuja visão em vão procuro...
Jazo a minha vida. (As minhas sensações são um epitáfio, por demais extenso, sobre a minha vida morta.) Aconteço-me a morte e ocaso. O mais que posso esculpir é sepulcro meu a beleza interior.
Os portões do meu afastamento abrangem para parques de infinito, mas ninguém passa por eles, nem no meu sonho – mas abertos sempre para o inútil e de ferro eternamente para o falso...
Desfolho apoteoses nos jardins das pompas interiores e entre buxos de sonho piso, com uma sonoridade dura, as áleas que conduzem a Confuso.
Acampei Impérios no Confuso, à beira de silêncios, na guerra fulva em que acabará o Exacto."
É entre a sensação e a consciência dela que se passam todas as grandes tragédias da minha vida. Nessa região indeterminada, sombria, de florestas e sons de água toda, neutral até ao ruído das nossas guerras, decorre aquele meu ser cuja visão em vão procuro...
Jazo a minha vida. (As minhas sensações são um epitáfio, por demais extenso, sobre a minha vida morta.) Aconteço-me a morte e ocaso. O mais que posso esculpir é sepulcro meu a beleza interior.
Os portões do meu afastamento abrangem para parques de infinito, mas ninguém passa por eles, nem no meu sonho – mas abertos sempre para o inútil e de ferro eternamente para o falso...
Desfolho apoteoses nos jardins das pompas interiores e entre buxos de sonho piso, com uma sonoridade dura, as áleas que conduzem a Confuso.
Acampei Impérios no Confuso, à beira de silêncios, na guerra fulva em que acabará o Exacto."
Resto/472b
"Viajei. Julgo inútil explicar-vos que não levei nem meses, nem dias, nem outra quantidade qualquer de qualquer medida de tempo a viajar. Viajei no tempo, é certo, mas não do lado de cá do tempo, onde o
contamos por horas, dias e meses; foi do outro lado do tempo que eu viajei, onde o tempo se não conta por medida. Decorre, mas sem que seja possível medi-lo. É como que mais rápido que o tempo que vemos viver-nos. Perguntais-me, a vós, de certo, que sentido têm estas frases; nunca erreis assim.
Despedi-vos do erro infantil de perguntar o sentido às coisas e às palavras. Nada tem um sentido.
Em que barco fiz essa viagem? No vapor Qualquer. Rides. Eu também, e de vós talvez. Quem vos diz, e a mim, que não escrevo símbolos para os deuses compreenderem?
Não importa. Parti pelo crepúsculo. Tenho ainda no ouvido o ruído férreo de puxar a âncora a vapor. No soslaio da minha memória movem-se ainda lentamente, para enfim entrarem na sua posição de inércia, os braços do guindaste de bordo que havia horas haviam magoado a minha vista de contínuos caixotes e barris. Estes rompiam súbitos, presos de roda por uma corrente, de por cima da amurada onde esbarravam, arranhando, e depois, oscilando, se iam deixando empurrar, empurrar, até ficarem por cima do porão, para onde, súbitos, desciam(...), até, com um choque surdo e madeirento, chegarem esmagadoramente a um lugar oculto do porão. Depois soavam lá em baixo o desatarem-os; em seguida subia só a corrente chincalhante no ar, e recomeçava tudo, como que inutilmente.
Eu para quê vos conto isto? Porque é absurdo estar-vos a contá-lo, visto que é das minhas viagens que disse que vos falaria.
Visitei Novas Europas e Constantinoplas outras acolheram a minha vinda veleira em Bósforos falsos. Vinda veleira espantais ? E como vos digo, assim mesmo. O vapor em que parti chegou barco de vela ao porto(...).
Que isto é impossível, dizeis. Por isso me aconteceu.
Chegaram-nos, em outros vapores, notícias de guerras sonhadas em Índias impossíveis. E, ao ouvir falar dessas terras, tínhamos importunamente saudades da nossa, deixada tão atrás, quem sabe se naquele mundo."
contamos por horas, dias e meses; foi do outro lado do tempo que eu viajei, onde o tempo se não conta por medida. Decorre, mas sem que seja possível medi-lo. É como que mais rápido que o tempo que vemos viver-nos. Perguntais-me, a vós, de certo, que sentido têm estas frases; nunca erreis assim.
Despedi-vos do erro infantil de perguntar o sentido às coisas e às palavras. Nada tem um sentido.
Em que barco fiz essa viagem? No vapor Qualquer. Rides. Eu também, e de vós talvez. Quem vos diz, e a mim, que não escrevo símbolos para os deuses compreenderem?
Não importa. Parti pelo crepúsculo. Tenho ainda no ouvido o ruído férreo de puxar a âncora a vapor. No soslaio da minha memória movem-se ainda lentamente, para enfim entrarem na sua posição de inércia, os braços do guindaste de bordo que havia horas haviam magoado a minha vista de contínuos caixotes e barris. Estes rompiam súbitos, presos de roda por uma corrente, de por cima da amurada onde esbarravam, arranhando, e depois, oscilando, se iam deixando empurrar, empurrar, até ficarem por cima do porão, para onde, súbitos, desciam(...), até, com um choque surdo e madeirento, chegarem esmagadoramente a um lugar oculto do porão. Depois soavam lá em baixo o desatarem-os; em seguida subia só a corrente chincalhante no ar, e recomeçava tudo, como que inutilmente.
Eu para quê vos conto isto? Porque é absurdo estar-vos a contá-lo, visto que é das minhas viagens que disse que vos falaria.
Visitei Novas Europas e Constantinoplas outras acolheram a minha vinda veleira em Bósforos falsos. Vinda veleira espantais ? E como vos digo, assim mesmo. O vapor em que parti chegou barco de vela ao porto(...).
Que isto é impossível, dizeis. Por isso me aconteceu.
Chegaram-nos, em outros vapores, notícias de guerras sonhadas em Índias impossíveis. E, ao ouvir falar dessas terras, tínhamos importunamente saudades da nossa, deixada tão atrás, quem sabe se naquele mundo."
Resto/469c
" No fundo nenhum outro prazer do que a análise da dor, nem outra volúpia que a do colear líquido e doente das sensações quando se esmiuçam e se decompõem – leves passos na sombra incerta, suaves ao ouvido, e nós nem nos voltamos para saber de quem são, vagos cantos longínquos, cujas palavras não buscamos colher, mas onde nos embala mais o indeciso do que dirão e a incerteza do lugar donde vêm; ténues segredos de águas pálidas, enchendo de longes leves os espaços (...) e nocturnos; guizos de carros longínquos, regressando donde? e que alegrias lá dentro, que não se ouvem aqui, sonolentos no torpor morno na tarde onde o verão se esquece a outono... Morreram as flores do jardim, e, murchas, são outras flores – mais antigas, mais nobres, mais coevas a amarelo morto com o mistério e o silêncio e o abandono. As bolhas de água que afloram nos tanques têm a sua razão para os sonhos. Coaxar distante das rãs! Ó campo morto em mim! Ó sossego rústico passado em sonhos! Ó minha vida fútil como um maltês que não trabalha e dorme à beira dos caminhos com o aroma dos prados a entrar-lhe na alma como um nevoeiro, num sono translúcido e fresco, fundo e cheio de eternidade como tudo que nada liga a nada, nocturno, ignorado, nómada e cansado sob a compaixão fria das estrelas. Sigo o curso dos meus sonhos, fazendo das imagens degraus para outras imagens; desdobrando, como um leque, as metáforas casuais em grandes quadros de visão interna; desato de mim a vida, e ponho-a de banda como a um traje que aperta. Oculto-me entre árvores longe das estradas. Perco-me. E logro, por momentos que correm levemente, esquecer o gosto à vida, deixar ir-se a ideia de luz e de bulício e acabar conscientemente, absurdamente pelas sensações fora, com um império de ruínas angustiadas, e uma entrada entre pendões e tambores de vitória numa grande cidade final onde não choraria nada, nem desejaria nada e nem a mim próprio pediria o ser."
Resto/469b
" Qualquer coisa em mim pede eternamente compaixão – e chora sobre si como sobre um deus morto, sem altares no culto, quando a vinda branca dos bárbaros moceou nas fronteiras e a vida veio pedir contas ao
império do que ele fizera da alegria.
Tenho sempre receio de que falem em mim. Falhei em tudo. Nada ousei sequer pensar em ser; pensar que o desejaria nem sequer o sonhei, porque no próprio sonho me conheci incompatível para a vida, até
no meu estado visionário de sonhador apenas.
Nem um sentimento levanta a minha cabeça do travesseiro onde a afundo por não poder com o corpo, nem com a ideia de que vivo, ou sequer com a ideia absoluta da vida.
Não falo a língua das realidades, e entre as coisas da vida cambaleio como um doente de longo leito que se ergue pela primeira vez. Só no leito me sinto na vida normal. Quando a febre chega agrada-me como
coisa natural (...) ao meu estado recumbente. Como uma chama ao vento tremo e estonteio-me. Só no ar morto dos quartos fechados respiro a normalidade da minha vida.
Nem uma saudade já me resta dos búzios à beira dos mares. Conformei-me com ter-me a minha alma por convento e eu não ser mais para mim do que outono sobre descampados secos, sem mais vida viva
do que um reflexo como de uma luz que finda na escuridão endosselada dos tanques, sem mais esforço e cor do que o esplendor violeta-exílio do fim do poente sobre os montes."
império do que ele fizera da alegria.
Tenho sempre receio de que falem em mim. Falhei em tudo. Nada ousei sequer pensar em ser; pensar que o desejaria nem sequer o sonhei, porque no próprio sonho me conheci incompatível para a vida, até
no meu estado visionário de sonhador apenas.
Nem um sentimento levanta a minha cabeça do travesseiro onde a afundo por não poder com o corpo, nem com a ideia de que vivo, ou sequer com a ideia absoluta da vida.
Não falo a língua das realidades, e entre as coisas da vida cambaleio como um doente de longo leito que se ergue pela primeira vez. Só no leito me sinto na vida normal. Quando a febre chega agrada-me como
coisa natural (...) ao meu estado recumbente. Como uma chama ao vento tremo e estonteio-me. Só no ar morto dos quartos fechados respiro a normalidade da minha vida.
Nem uma saudade já me resta dos búzios à beira dos mares. Conformei-me com ter-me a minha alma por convento e eu não ser mais para mim do que outono sobre descampados secos, sem mais vida viva
do que um reflexo como de uma luz que finda na escuridão endosselada dos tanques, sem mais esforço e cor do que o esplendor violeta-exílio do fim do poente sobre os montes."
Resto/467
"O sensacionista
Neste crepúsculo das disciplinas, em que as crenças morrem e os cultos se cobrem de pó, as nossas sensações são a única realidade que nos resta. O único escrúpulo que preocupe, a única ciência que satisfaça são os da sensação.
Um decorativismo interior acentua-se-me como o modo superior e esclarecido de dar um destino à nossa vida. Pudesse a minha vida ser vivida em panos de arrás do espírito e eu não teria abismos que lamentar.
Pertenço a uma geração – ou antes a uma parte de geração – que perdeu todo o respeito pelo passado e toda a crença ou esperança no futuro. Vivemos por isso do presente com a gana e a fome de quem não tem outra casa. E, como é nas nossas sensações, e sobretudo nos nossos sonhos, sensações inúteis apenas, que encontramos um presente, que não lembra nem o passado nem o futuro, sorrimos à nossa vida interior e desinteressamo-nos com uma sonolência altiva da realidade quantitativa das coisas.
Não somos talvez muito diferentes daqueles que, pela vida, só pensam em divertir-se. Mas o sol da nossa preocupação egoísta está no ocaso, e é em cores de crepúsculo e contradição que o nosso hedonismo se arrefece.
Convalescemos. Em geral somos criaturas que não aprendemos nenhuma arte ou ofício, nem sequer o de gozar a vida. Estranhos a convívios demorados, aborrecemo-nos em geral dos maiores amigos, depois de estarmos com eles meia hora; só ansiamos por os ver quando pensamos em vê-los, e as melhores horas em que os acompanhamos são aquelas em que apenas sonhamos que estamos com eles. Não sei se isto indica pouca amizade. Porventura não indica. O que é certo é que as coisas que mais amamos, ou julgamos amar, só têm o seu pleno valor real quando simplesmente sonhadas.
Não gostamos de espectáculos. Desprezamos actores e dançarinos. Todo o espectáculo é a imitação degradada do que havia apenas de sonhar-se.
Indiferentes – não de origem, mas por uma educação dos sentimentos que várias experiências dolorosas em geral nos obrigam a fazer – à opinião dos outros, sempre corteses para com eles, e gostando deles
mesmo, através de uma indiferença interessada, porque toda a gente é interessante e convertível em sonho, em outras pessoas, passamos(...)
Sem habilidade para amar, antecansam-nos aquelas palavras que seria preciso dizer para se tornar amado. De resto, qual de nós quer ser amado? O “on le fatigait en l’aimant” de René não é o nosso rótulo justo. A própria ideia de sermos amados nos fatiga, nos fatiga até ao alarme.
A minha vida é uma febre perpétua, uma sede sempre renovada. A vida real apoquenta-me como um dia de calor. Há uma certa baixeza no modo como apoquenta."
Neste crepúsculo das disciplinas, em que as crenças morrem e os cultos se cobrem de pó, as nossas sensações são a única realidade que nos resta. O único escrúpulo que preocupe, a única ciência que satisfaça são os da sensação.
Um decorativismo interior acentua-se-me como o modo superior e esclarecido de dar um destino à nossa vida. Pudesse a minha vida ser vivida em panos de arrás do espírito e eu não teria abismos que lamentar.
Pertenço a uma geração – ou antes a uma parte de geração – que perdeu todo o respeito pelo passado e toda a crença ou esperança no futuro. Vivemos por isso do presente com a gana e a fome de quem não tem outra casa. E, como é nas nossas sensações, e sobretudo nos nossos sonhos, sensações inúteis apenas, que encontramos um presente, que não lembra nem o passado nem o futuro, sorrimos à nossa vida interior e desinteressamo-nos com uma sonolência altiva da realidade quantitativa das coisas.
Não somos talvez muito diferentes daqueles que, pela vida, só pensam em divertir-se. Mas o sol da nossa preocupação egoísta está no ocaso, e é em cores de crepúsculo e contradição que o nosso hedonismo se arrefece.
Convalescemos. Em geral somos criaturas que não aprendemos nenhuma arte ou ofício, nem sequer o de gozar a vida. Estranhos a convívios demorados, aborrecemo-nos em geral dos maiores amigos, depois de estarmos com eles meia hora; só ansiamos por os ver quando pensamos em vê-los, e as melhores horas em que os acompanhamos são aquelas em que apenas sonhamos que estamos com eles. Não sei se isto indica pouca amizade. Porventura não indica. O que é certo é que as coisas que mais amamos, ou julgamos amar, só têm o seu pleno valor real quando simplesmente sonhadas.
Não gostamos de espectáculos. Desprezamos actores e dançarinos. Todo o espectáculo é a imitação degradada do que havia apenas de sonhar-se.
Indiferentes – não de origem, mas por uma educação dos sentimentos que várias experiências dolorosas em geral nos obrigam a fazer – à opinião dos outros, sempre corteses para com eles, e gostando deles
mesmo, através de uma indiferença interessada, porque toda a gente é interessante e convertível em sonho, em outras pessoas, passamos(...)
Sem habilidade para amar, antecansam-nos aquelas palavras que seria preciso dizer para se tornar amado. De resto, qual de nós quer ser amado? O “on le fatigait en l’aimant” de René não é o nosso rótulo justo. A própria ideia de sermos amados nos fatiga, nos fatiga até ao alarme.
A minha vida é uma febre perpétua, uma sede sempre renovada. A vida real apoquenta-me como um dia de calor. Há uma certa baixeza no modo como apoquenta."
Resto/464
"O amante visual II
Nem em torno dessas figuras, com cuja contemplação me entretenho, é meu costume tecer qualquer enredo da fantasia. Vejo-as, e o valor delas para mim está só em serem vistas. Tudo mais, que lhes acrescentasse, diminuí-las-ia, porque diminuiria, por assim dizer, a sua “visibilidade”.
Quanto eu fantasiasse delas, forçosamente, no próprio momento de fantasiar, eu o conheceria como falso; e, se o sonhado me agrada, o falso me repugna. O sonho puro encanta-me, o sonho que não tem relação com a realidade, nem ponto de contacto com ela. O sonho imperfeito, com ponto de partida na vida, desgosta-me, ou, antes, me desgostaria se eu me embrenhasse nele.
Para mim a humanidade é um vasto motivo de decoração, que vive pelos olhos e pelos ouvidos, e, ainda, pela emoção psicológica. Nada mais quero da vida senão assistir a ela. Nada mais quero de mim senão o assistir à vida.
Sou como um ser de outra existência que passa indefinidamente interessado através desta. Em tudo sou alheio a ela. Há entre mim e ela como um vidro. Quero esse vidro sempre muito claro, para a poder examinar sem falha de meio intermédio; mas quero sempre o vidro.
Para todo o espírito cientificamente constituído, ver numa coisa mais que o que lá está é ver menos essa coisa. O que materialmente se acrescenta, espiritualmente a diminui.
Atribuo a este estado de alma a minha repugnância pelos museus. O museu, para mim, é a vida inteira, em que a pintura é sempre exata, e só pode haver inexatidão na imperfeição do contemplador. Mas essa
imperfeição, ou faço por diminuí-la, ou, se não posso, contento-me com que assim seja, pois que, como tudo, não pode ser senão assim."
Nem em torno dessas figuras, com cuja contemplação me entretenho, é meu costume tecer qualquer enredo da fantasia. Vejo-as, e o valor delas para mim está só em serem vistas. Tudo mais, que lhes acrescentasse, diminuí-las-ia, porque diminuiria, por assim dizer, a sua “visibilidade”.
Quanto eu fantasiasse delas, forçosamente, no próprio momento de fantasiar, eu o conheceria como falso; e, se o sonhado me agrada, o falso me repugna. O sonho puro encanta-me, o sonho que não tem relação com a realidade, nem ponto de contacto com ela. O sonho imperfeito, com ponto de partida na vida, desgosta-me, ou, antes, me desgostaria se eu me embrenhasse nele.
Para mim a humanidade é um vasto motivo de decoração, que vive pelos olhos e pelos ouvidos, e, ainda, pela emoção psicológica. Nada mais quero da vida senão assistir a ela. Nada mais quero de mim senão o assistir à vida.
Sou como um ser de outra existência que passa indefinidamente interessado através desta. Em tudo sou alheio a ela. Há entre mim e ela como um vidro. Quero esse vidro sempre muito claro, para a poder examinar sem falha de meio intermédio; mas quero sempre o vidro.
Para todo o espírito cientificamente constituído, ver numa coisa mais que o que lá está é ver menos essa coisa. O que materialmente se acrescenta, espiritualmente a diminui.
Atribuo a este estado de alma a minha repugnância pelos museus. O museu, para mim, é a vida inteira, em que a pintura é sempre exata, e só pode haver inexatidão na imperfeição do contemplador. Mas essa
imperfeição, ou faço por diminuí-la, ou, se não posso, contento-me com que assim seja, pois que, como tudo, não pode ser senão assim."
Resto/462a
"Nossa Senhora do Silêncio
Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos, folheio-os então, como a um livro que se folheia e se torna a folhear sem ler mais que palavras inevitáveis. É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou, realidade falsa, me acompanhas. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade, o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos,
encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real, de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um Sonho que eu sonhe?
Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil? Nunca é o mesmo, mas não muda nunca. E eu digo isto porque sei, ainda que não saiba que o sei. Teu corpo? Nu é o mesmo que
vestido, sentado está na mesma atitude do que quando deitado ou de pé. Que significa isto, que não significa nada?"
Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e o meu único sonho só pode ser o pensar nos meus sonhos, folheio-os então, como a um livro que se folheia e se torna a folhear sem ler mais que palavras inevitáveis. É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas antigas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou, realidade falsa, me acompanhas. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade, o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos,
encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real, de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um Sonho que eu sonhe?
Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil? Nunca é o mesmo, mas não muda nunca. E eu digo isto porque sei, ainda que não saiba que o sei. Teu corpo? Nu é o mesmo que
vestido, sentado está na mesma atitude do que quando deitado ou de pé. Que significa isto, que não significa nada?"
Resto/461g
"Loucura de sonho naquele silêncio alheio!...
A nossa vida era toda a vida... O nosso amor era o perfume do amor... Vivíamos horas impossíveis, cheias de sermos nós... E isto porque sabíamos, com toda a carne da nossa carne, que não éramos uma realidade...
Éramos impessoais, ocos de nós, outra coisa qualquer... Éramos aquela paisagem esfumada em consciência de si própria... E assim como ela era duas – de realidade que era, e ilusão – assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não era ele-próprio, se o incerto outro viveria...
Quando emergíamos de repente ante o estagnar dos lagos sentíamo-nos a querer soluçar... Ali aquela paisagem tinha os olhos rasos de água, olhos parados, cheios do tédio inúmero de ser... Cheios, sim, do
tédio de ser, de ter de ser qualquer coisa, realidade ou ilusão – e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e no exílio dos lagos... E nós, caminhando sempre e sem o saber ou querer, parecia ainda assim que nos demorávamos à beira daqueles lagos, tanto de nós com eles ficava e morava, simbolizado e absorto...
E que fresco e feliz horror o de não haver ali ninguém! Nem nós, que por ali íamos, ali estávamos...
Porque nós não éramos ninguém. Nem mesmo éramos coisa... Não tínhamos vida que a Morte precisasse para matar. Éramos tão tênues e rasteirinhos que o vento do decorrer nos deixara inúteis e a hora passava por nós acariciando-nos como uma brisa pelo cimo duma palmeira."
A nossa vida era toda a vida... O nosso amor era o perfume do amor... Vivíamos horas impossíveis, cheias de sermos nós... E isto porque sabíamos, com toda a carne da nossa carne, que não éramos uma realidade...
Éramos impessoais, ocos de nós, outra coisa qualquer... Éramos aquela paisagem esfumada em consciência de si própria... E assim como ela era duas – de realidade que era, e ilusão – assim éramos nós obscuramente dois, nenhum de nós sabendo bem se o outro não era ele-próprio, se o incerto outro viveria...
Quando emergíamos de repente ante o estagnar dos lagos sentíamo-nos a querer soluçar... Ali aquela paisagem tinha os olhos rasos de água, olhos parados, cheios do tédio inúmero de ser... Cheios, sim, do
tédio de ser, de ter de ser qualquer coisa, realidade ou ilusão – e esse tédio tinha a sua pátria e a sua voz na mudez e no exílio dos lagos... E nós, caminhando sempre e sem o saber ou querer, parecia ainda assim que nos demorávamos à beira daqueles lagos, tanto de nós com eles ficava e morava, simbolizado e absorto...
E que fresco e feliz horror o de não haver ali ninguém! Nem nós, que por ali íamos, ali estávamos...
Porque nós não éramos ninguém. Nem mesmo éramos coisa... Não tínhamos vida que a Morte precisasse para matar. Éramos tão tênues e rasteirinhos que o vento do decorrer nos deixara inúteis e a hora passava por nós acariciando-nos como uma brisa pelo cimo duma palmeira."
Resto/461e
" Orlas de mares desconhecidos tocavam, no horizonte de ouvirmos, praias que nunca poderíamos ver, e era-nos a felicidade escutar, até vê-lo em nós, esse mar onde sem dúvida singravam caravelas com
outros fins em percorrê-lo que não os fins úteis e comandados da Terra.
Reparávamos de repente, como quem repara que vive, que o ar estava cheio de cantos de ave, e que, como perfumes antigos em cetins, o marulho esfregado das folhas estava mais entranhado em nós do que
a consciência de o ouvirmos.
E assim o murmúrio das aves, o sussurro dos arvoredos e o fundo monótono e esquecido do mar eterno punham à nossa vida abandonada uma auréola de não a conhecermos. Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecido da cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais...
Ali vivemos horas cheias de um outro sentirmo-las, horas de uma imperfeição vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza rectângula da vida... Horas imperiais depostas, horas vestidas de púrpura gasta, horas caídas nesse mundo de um outro mundo mais cheio do orgulho de ter mais desmanteladas angústias...
E doía-nos gozar aquilo, doía-nos... Porque, apesar do que tinha de exílio calmo, toda essa paisagem nos sabia a sermos deste mundo, toda ela era húmida da pompa de um vago tédio, triste e enorme e perverso
como a decadência de um império ignoto... "
outros fins em percorrê-lo que não os fins úteis e comandados da Terra.
Reparávamos de repente, como quem repara que vive, que o ar estava cheio de cantos de ave, e que, como perfumes antigos em cetins, o marulho esfregado das folhas estava mais entranhado em nós do que
a consciência de o ouvirmos.
E assim o murmúrio das aves, o sussurro dos arvoredos e o fundo monótono e esquecido do mar eterno punham à nossa vida abandonada uma auréola de não a conhecermos. Dormimos ali acordados dias, contentes de não ser nada, de não ter desejos nem esperanças, de nos termos esquecido da cor dos amores e do sabor dos ódios. Julgávamo-nos imortais...
Ali vivemos horas cheias de um outro sentirmo-las, horas de uma imperfeição vazia e tão perfeitas por isso, tão diagonais à certeza rectângula da vida... Horas imperiais depostas, horas vestidas de púrpura gasta, horas caídas nesse mundo de um outro mundo mais cheio do orgulho de ter mais desmanteladas angústias...
E doía-nos gozar aquilo, doía-nos... Porque, apesar do que tinha de exílio calmo, toda essa paisagem nos sabia a sermos deste mundo, toda ela era húmida da pompa de um vago tédio, triste e enorme e perverso
como a decadência de um império ignoto... "
Resto/461c
"No nosso jardim havia flores de todas as belezas... – rosas de contornos enrolados, lírios de um branco amarelecendo-se, papoilas que seriam ocultas se o seu rubro lhes não espreitasse presença, violetas pouco na margem rufada dos canteiros, miosótis mínimos, camélias estéreis de perfume... E, pasmados por cima das ervas altas, olhos, os girassóis isolados fitavam-nos grandemente.
Nós roçávamos a alma toda vista pelo frescor visível dos musgos e tínhamos, ao passar pelas palmeiras, a intuição esguia de outras terras... E subia-nos o choro à lembrança, porque nem aqui, ao sermos felizes, o éramos...
Carvalhos cheios de séculos nodosos faziam tropeçar os nossos pés nos tentáculos mortos das suas raízes... Plátanos estacavam... E ao longe, entre árvore e árvore de perto, pendiam no silêncio das
latadas os cachos negrejantes das uvas...
O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado nas almas, sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.
A nossa vida não tinha dentro. Éramos fora e outros. Desconhecíamo-nos, como se houvéssemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem através de sonhos...
Tínhamo-nos esquecido do tempo, e o espaço imenso empequenara-se-nos na atenção. Fora daquelas árvores próximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma
coisa de real, de merecedor do olhar aberto que se dá às coisas que existem?..."
Nós roçávamos a alma toda vista pelo frescor visível dos musgos e tínhamos, ao passar pelas palmeiras, a intuição esguia de outras terras... E subia-nos o choro à lembrança, porque nem aqui, ao sermos felizes, o éramos...
Carvalhos cheios de séculos nodosos faziam tropeçar os nossos pés nos tentáculos mortos das suas raízes... Plátanos estacavam... E ao longe, entre árvore e árvore de perto, pendiam no silêncio das
latadas os cachos negrejantes das uvas...
O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado nas almas, sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia.
A nossa vida não tinha dentro. Éramos fora e outros. Desconhecíamo-nos, como se houvéssemos aparecido às nossas almas depois de uma viagem através de sonhos...
Tínhamo-nos esquecido do tempo, e o espaço imenso empequenara-se-nos na atenção. Fora daquelas árvores próximas, daquelas latadas afastadas, daqueles montes últimos no horizonte haveria alguma
coisa de real, de merecedor do olhar aberto que se dá às coisas que existem?..."
Resto/461b
"A alcova vaga é um vidro escuro através do qual, consciente dele, vejo essa paisagem... e a essa paisagem conheço-a há muito, e há muito que com essa mulher que desconheço erro, outra realidade, através da irrealidade dela. Sinto em mim séculos de conhecer aquelas árvores e aquelas flores e aquelas vias em desvios e aquele ser meu que ali vagueia, antigo e ostensivo ao meu olhar, que o saber que estou nesta alcova veste de penumbras de ver...
De vez em quando pela floresta onde de longe me vejo e sinto, um vento lento varre um fumo, e esse fumo é a visão nítida e escura da alcova em que sou actual, destes vagos móveis e reposteiros e do seu torpor de nocturna. Depois esse vento passa e torna a ser toda só ela a paisagem daquele outro mundo...
Outras vezes este quarto estreito é apenas uma cinza de bruma no horizonte dessa terra diversa... E há momentos em que o chão que ali pisamos é esta alcova visível...
Sonho e perco-me, duplo de ser eu e essa mulher... Um grande cansaço é um fogo negro que me consome... Uma grande ânsia passiva é a vida falsa que me estreita...
Ó felicidade baça!... O eterno estar no bifurcar dos caminhos!... Eu sonho e por detrás da minha atenção sonha comigo alguém... E talvez eu não seja senão um sonho desse Alguém que não existe...
Lá fora a antemanhã tão longínqua! a floresta tão aqui ante outros olhos meus!
E eu, que longe dessa paisagem quase a esqueço, é ao tê-la que tenho saudades dela, é ao percorrê-la que a choro e a ela aspiro...
As árvores! as flores! o esconder-se copado dos caminhos!...
Passeávamos às vezes, braço dado, sob os cedros e as olaias e nenhum de nós pensava em viver. A nossa carne era-nos um perfume vago e a nossa vida um eco de som de fonte. Dávamo-nos as mãos e os nossos olhares perguntavam-se o que seria o ser sensual e o querer realizar em carne a ilusão do amor..."
De vez em quando pela floresta onde de longe me vejo e sinto, um vento lento varre um fumo, e esse fumo é a visão nítida e escura da alcova em que sou actual, destes vagos móveis e reposteiros e do seu torpor de nocturna. Depois esse vento passa e torna a ser toda só ela a paisagem daquele outro mundo...
Outras vezes este quarto estreito é apenas uma cinza de bruma no horizonte dessa terra diversa... E há momentos em que o chão que ali pisamos é esta alcova visível...
Sonho e perco-me, duplo de ser eu e essa mulher... Um grande cansaço é um fogo negro que me consome... Uma grande ânsia passiva é a vida falsa que me estreita...
Ó felicidade baça!... O eterno estar no bifurcar dos caminhos!... Eu sonho e por detrás da minha atenção sonha comigo alguém... E talvez eu não seja senão um sonho desse Alguém que não existe...
Lá fora a antemanhã tão longínqua! a floresta tão aqui ante outros olhos meus!
E eu, que longe dessa paisagem quase a esqueço, é ao tê-la que tenho saudades dela, é ao percorrê-la que a choro e a ela aspiro...
As árvores! as flores! o esconder-se copado dos caminhos!...
Passeávamos às vezes, braço dado, sob os cedros e as olaias e nenhum de nós pensava em viver. A nossa carne era-nos um perfume vago e a nossa vida um eco de som de fonte. Dávamo-nos as mãos e os nossos olhares perguntavam-se o que seria o ser sensual e o querer realizar em carne a ilusão do amor..."
Resto/459
" Máximas
– Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido – tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma um facto, de a materializar e tornar exterior. Viver num doce e fluido estado de desconhecimento das coisas e de si próprio é o único modo de vida que a um sábio convém e aquece.
– Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
– A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito. E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio
por nós é uma indelicadeza ímpar. O que desloca a vulgar saudação – como está? – de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral absolutamente oca e insincera.
– Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
– Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros para saber bem, ao agir ao contrário, que somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.
– A única vantagem de estudar é gozar o quanto os outros não disseram.
– A arte é um isolamento. Todo o artista deve buscar isolar os outros, levar-lhes às almas o desejo de estarem sós. O triunfo supremo de um artista é quando ao ler suas obras o leitor prefere tê-las e não as ler. Não é porque isto aconteça aos consagrados; é porque é o maior tributo.
– Ser lúcido é estar indisposto consigo próprio. O legítimo estado de espírito com respeito a olhar para dentro de si próprio é o estado de quem olha nervos e indecisões.
– A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la."
– Ter opiniões definidas e certas, instintos, paixões e carácter fixo e conhecido – tudo isto monta ao horror de tornar a nossa alma um facto, de a materializar e tornar exterior. Viver num doce e fluido estado de desconhecimento das coisas e de si próprio é o único modo de vida que a um sábio convém e aquece.
– Saber interpor-se constantemente entre si próprio e as coisas é o mais alto grau de sabedoria e prudência.
– A nossa personalidade deve ser indevassável, mesmo por nós próprios: daí o nosso dever de sonharmos sempre, e incluirmo-nos nos nossos sonhos, para que nos não seja possível ter opiniões a nosso respeito. E especialmente devemos evitar a invasão da nossa personalidade pelos outros. Todo o interesse alheio
por nós é uma indelicadeza ímpar. O que desloca a vulgar saudação – como está? – de ser uma indesculpável grosseria é o ser ela em geral absolutamente oca e insincera.
– Amar é cansar-se de estar só: é uma cobardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).
– Dar bons conselhos é insultar a faculdade de errar que Deus deu aos outros. E, de mais a mais, os actos alheios devem ter a vantagem de não serem também nossos. Apenas é compreensível que se peça conselhos aos outros para saber bem, ao agir ao contrário, que somos bem nós, bem em desacordo com a Outragem.
– A única vantagem de estudar é gozar o quanto os outros não disseram.
– A arte é um isolamento. Todo o artista deve buscar isolar os outros, levar-lhes às almas o desejo de estarem sós. O triunfo supremo de um artista é quando ao ler suas obras o leitor prefere tê-las e não as ler. Não é porque isto aconteça aos consagrados; é porque é o maior tributo.
– Ser lúcido é estar indisposto consigo próprio. O legítimo estado de espírito com respeito a olhar para dentro de si próprio é o estado de quem olha nervos e indecisões.
– A única atitude intelectual digna de uma criatura superior é a de uma calma e fria compaixão por tudo quanto não é ele próprio. Não que essa atitude tenha o mínimo cunho de justa e verdadeira; mas é tão invejável que é preciso tê-la."
Resto/452
"Lenda imperial
Minha Imaginação é uma cidade no Oriente. Toda a sua composição de realidade no espaço tem a voluptuosidade de superfície de um tapete rico e mole. As tendas que multicoloram as suas ruas
destacam-se sobre não sei que fundo que não é o delas, como bordados de amarelo ou vermelho sobre cetins azul claríssimo. Toda a história pregressa dessa cidade voa em torno à lâmpada do meu sonho como uma borboleta apenas ouvida na penumbra do quarto. Minha fantasia habitou entre pompas outrora e recebeu das mãos de rainhas jóias veladas de antiguidade. Atapetaram molezas íntimas os areais da minha inexistência e, hálitos de penumbra, as algas boiaram à ostensiva dos meus rios. Fui por isso pórticos em civilizações perdidas, febres de arabescos em frisos mortos, enegrecimentos de eternidade nos coleios das colunas partidas, mastros apenas nos naufrágios remotos, degraus só de tronos abatidos, véus nada velando, e como que velando sombras, fantasmas erguidos do chão como fumos de turíbulos arremessados. Funesto foi o meu reinado e cheia de guerras nas fronteiras longínquas a minha paz imperial no meu palácio. Próximo sempre o ruído indeciso das festas afastadas; procissões sempre para ir passar por sob as minhas janelas; mas nem peixes de ouro encarnado nas minhas piscinas, nem pomos entre as verduras paradas do meu pomar; nem mesmo, pobres choupanas onde os outros são felizes, o
fumo de chaminés de além de árvores adormeceu com baladas de simplicidade o mistério congénito da minha consciência de mim."
Minha Imaginação é uma cidade no Oriente. Toda a sua composição de realidade no espaço tem a voluptuosidade de superfície de um tapete rico e mole. As tendas que multicoloram as suas ruas
destacam-se sobre não sei que fundo que não é o delas, como bordados de amarelo ou vermelho sobre cetins azul claríssimo. Toda a história pregressa dessa cidade voa em torno à lâmpada do meu sonho como uma borboleta apenas ouvida na penumbra do quarto. Minha fantasia habitou entre pompas outrora e recebeu das mãos de rainhas jóias veladas de antiguidade. Atapetaram molezas íntimas os areais da minha inexistência e, hálitos de penumbra, as algas boiaram à ostensiva dos meus rios. Fui por isso pórticos em civilizações perdidas, febres de arabescos em frisos mortos, enegrecimentos de eternidade nos coleios das colunas partidas, mastros apenas nos naufrágios remotos, degraus só de tronos abatidos, véus nada velando, e como que velando sombras, fantasmas erguidos do chão como fumos de turíbulos arremessados. Funesto foi o meu reinado e cheia de guerras nas fronteiras longínquas a minha paz imperial no meu palácio. Próximo sempre o ruído indeciso das festas afastadas; procissões sempre para ir passar por sob as minhas janelas; mas nem peixes de ouro encarnado nas minhas piscinas, nem pomos entre as verduras paradas do meu pomar; nem mesmo, pobres choupanas onde os outros são felizes, o
fumo de chaminés de além de árvores adormeceu com baladas de simplicidade o mistério congénito da minha consciência de mim."
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