"E por detrás da derrota surge a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado "*
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Resto/447a
"Diário lúcido
A minha vida, tragédia caída sob a pateada dos anjos e de que só o primeiro acto se representou.
Amigos, nenhum. Só uns conhecidos que julgam que simpatizam comigo e teriam talvez pena se um comboio me passasse por cima e o enterro fosse em dia de chuva.
O prémio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade, que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma auréola de frieza, um halo de gelo que repele os outros. Ainda não consegui não sofrer com a minha solidão. Tão difícil é obter aquela distinção de espírito que permita ao isolamento ser um repouso sem angústia.
Nunca dei crédito à amizade que me mostraram, como o não teria dado ao amor, se mo houvessem mostrado, o que aliás, seria impossível. Embora nunca tivesse ilusões a respeito daqueles que se diziam meus amigos, consegui sempre sofrer desilusões com eles – tão complexo e subtil é o meu destino de sofrer.
Nunca duvidei que todos me traíssem; e pasmei sempre quando me traíram. Quando chegava o que eu esperava, era sempre inesperado para mim.
Como nunca descobri em mim qualidades que atraíssem alguém, nunca pude acreditar que alguém se sentisse atraído por mim. A opinião seria de uma modéstia estulta, se factos sobre factos – aqueles
inesperados factos que eu esperava – a não viessem confirmar sempre.
Nem posso conceber que me estimem por compaixão, porque, embora fisicamente desajeitado e inaceitável, não tenho aquele grau de amarfanhamento orgânico com que entre na órbita da compaixão alheia, nem mesmo aquela simpatia que a atrai quando ela não seja patentemente merecida; e para o que em mim merece piedade, não a pode haver, porque nunca há piedade para os aleijados do espírito.
De modo que caí naquele centro de gravidade do desdém alheio, em que não me inclino para a simpatia de ninguém."
A minha vida, tragédia caída sob a pateada dos anjos e de que só o primeiro acto se representou.
Amigos, nenhum. Só uns conhecidos que julgam que simpatizam comigo e teriam talvez pena se um comboio me passasse por cima e o enterro fosse em dia de chuva.
O prémio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade, que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma auréola de frieza, um halo de gelo que repele os outros. Ainda não consegui não sofrer com a minha solidão. Tão difícil é obter aquela distinção de espírito que permita ao isolamento ser um repouso sem angústia.
Nunca dei crédito à amizade que me mostraram, como o não teria dado ao amor, se mo houvessem mostrado, o que aliás, seria impossível. Embora nunca tivesse ilusões a respeito daqueles que se diziam meus amigos, consegui sempre sofrer desilusões com eles – tão complexo e subtil é o meu destino de sofrer.
Nunca duvidei que todos me traíssem; e pasmei sempre quando me traíram. Quando chegava o que eu esperava, era sempre inesperado para mim.
Como nunca descobri em mim qualidades que atraíssem alguém, nunca pude acreditar que alguém se sentisse atraído por mim. A opinião seria de uma modéstia estulta, se factos sobre factos – aqueles
inesperados factos que eu esperava – a não viessem confirmar sempre.
Nem posso conceber que me estimem por compaixão, porque, embora fisicamente desajeitado e inaceitável, não tenho aquele grau de amarfanhamento orgânico com que entre na órbita da compaixão alheia, nem mesmo aquela simpatia que a atrai quando ela não seja patentemente merecida; e para o que em mim merece piedade, não a pode haver, porque nunca há piedade para os aleijados do espírito.
De modo que caí naquele centro de gravidade do desdém alheio, em que não me inclino para a simpatia de ninguém."
Resto 367
" Não sei porquê - noto-o subitamente - estou sozinho no escritório.
Já, indefinidamente, o pressentira. Havia em qualquer aspecto da minha cosciência de mim uma amplitude de alívio, um respirar mais fundo de pulmões diversos.
É esta uma das mais curiosas sensações que nos poder ser dada pelo acaso dos encontros e das faltas: a de estarmos sós numa casa ordinariamente cheia, ruidosa ou alheia. Temos,de repente, uma sensação de posse absoluta, de domínio fácil e largo, de amplitude - como disse - de alívio e sossego.
Que bom estar só largamente! Poder falar alto connosco, passear sem estorvo de vistas, reposar para trás num devaneio sem chamamento! Toda a casa se torna campo, toda a sala tem a extensão de uma quinta.
Os ruídos são todos alheios, como se pertencessem a um universo próximo mas independente. Somos, finalmente, reis. A isso todos aspiramos, enfim, e os mais plebeus de nós - quem sabe - com maior vigor que os de mais ouro falso. Por um momento somos pensionistas
do universo, e vivemos, regulares do soldo dado, sem necessidade nem preocupações.
Ah, mas reconheço, naquele passo na escada, subindo até mim não sei quem, o alguém que vai interromper a minha solidão espairecida. Vai ser invadido pelos bárbaros o meu império implícito. Não é que o passo me diga quem é que vem, nem que me lembre o passo deste ou daquele que eu conheça. Há um mais surdo instinto da alma que me faz saber que é para aqui que vem o que sobe, por enquanto só passos, na escada que subitamente vejo, porque penso nele que a sobe. Sim, é um dos empregados..."
Resto 216/b
" Nas paredes escuramente visíveis do meu quarto, se eu abria os olhos do sono falso, boiavam fragmentos de sonhos por fazer, vagas luzes, riscos pretos, coisas de nada que trepavam e desciam. Os móveis, maiores do que de dia, manchavam vagamente o absurdo da treva...Quanto à janela, eu só a ouvia.
Nova,fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da minha alma alargava-se, alastrava-se, incluía o que eu sentia, o que eu queria, o que eu ia a sonhar. Os objectos vagos, participantes, na sombra, da minha insónia, passavam a ter lugar e dor na minha desolação."
Resto 203
"Como nos dias em que a trovoada se prepara e os ruídos da rua falam alto com uma voz solitária.
A rua franziu-se da luz intensa e pálido, e o negrume baço tremeu, de leste a oeste do mundo, com um estrondo feito de escangalhamento ecoantes... A tristeza dura da chuva bruta piorou o ar negro de intensidade feia. Frio, morno, quente - tudo ao mesmo tempo -, o ar em toda a parte era errado. E, a seguir, pela ampla sala uma cunha de luz metálica abriu brecha nos repousos dos corpos humanos, e, com o sobressalto gelado, um pedregulho de som bateu em toda a parte, esfacelando-se com silêncio duro. O som da chuva diminuiu como uma voz de menos peso. O ruído das ruas diminui angustiamente. Nova luz, de um amarelado rápido, toda o negrume surdo, mas houve agora uma respiração possível antes que o punho do som trémulo ecoasse súbito doutro ponto; como uma despedidad zangada, a trovoada começava a aqui não estar...Uma súbita luz formidável estilhaçou-se. Estacou dentro dos cérebros e dos quartos. Tudo estacou. Os corações pararam um momento. Todos são pessoas muito sensíveis. O silêncio aterra como se houvera morte. O som da chuva que aumenta alivia como lágrimas de tudo. Há chumbo."
A rua franziu-se da luz intensa e pálido, e o negrume baço tremeu, de leste a oeste do mundo, com um estrondo feito de escangalhamento ecoantes... A tristeza dura da chuva bruta piorou o ar negro de intensidade feia. Frio, morno, quente - tudo ao mesmo tempo -, o ar em toda a parte era errado. E, a seguir, pela ampla sala uma cunha de luz metálica abriu brecha nos repousos dos corpos humanos, e, com o sobressalto gelado, um pedregulho de som bateu em toda a parte, esfacelando-se com silêncio duro. O som da chuva diminuiu como uma voz de menos peso. O ruído das ruas diminui angustiamente. Nova luz, de um amarelado rápido, toda o negrume surdo, mas houve agora uma respiração possível antes que o punho do som trémulo ecoasse súbito doutro ponto; como uma despedidad zangada, a trovoada começava a aqui não estar...Uma súbita luz formidável estilhaçou-se. Estacou dentro dos cérebros e dos quartos. Tudo estacou. Os corações pararam um momento. Todos são pessoas muito sensíveis. O silêncio aterra como se houvera morte. O som da chuva que aumenta alivia como lágrimas de tudo. Há chumbo."
Resto 144/a
" O devaneio, em que naturalmente se perde quem não pensa, perco-me eu nele por escrito, pois sei sonhar em prosa. E há muito sentimento sincero, muita emoção legítima que tiro de não estar sentindo.
Há momentos em que a vacuidade de se sentir viver atinge a espessura de uma coisa positiva. Nos grandes homens de acção, que são os santos, pois que agem com a emoção inteira e não só com parte dela, este sentimento de a vida não ser nada conduz ao infinito. Engrinaldam-se de noite e de astros, ungem-se de silêncio e de solidão. Nos grandes homens de inacção, a cujo número humildemente pertenço, o mesmo sentimento conduz ao infinitesimal; puxam-se as sensações, como elásticos, para ver os poros da sua falsa continuidade bamba."
Resto 38*/a
" Há um cansaço da inteligência abstracta, e é mais horroroso dos cansaços.Não pesa como o cansaço do corpo, nem inquieta como o cansaço do conhecimento e da emoção. É um peso da consciência do mundo, um não poder respirar com a alma.
Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as ideias em que temos sentido a vida,todas as ambições e desígnios em que temos fundado a esperança na continuação dela, se rasgam, se abrem, se afastan tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por detrás da derrota surge a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado "
Então, como se o vento nelas desse, e fossem nuvens, todas as ideias em que temos sentido a vida,todas as ambições e desígnios em que temos fundado a esperança na continuação dela, se rasgam, se abrem, se afastan tornadas cinzas de nevoeiros, farrapos do que não foi nem poderia ser. E por detrás da derrota surge a solidão negra e implacável do céu deserto e estrelado "
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