Janelas Pró-abismo

R-411
"Há o calor ou o fresco, se os há, e sempre, no fundo, vêm memórias, com suas saudades ou sua esperança, e um sorriso de magia à janela do nada, o que desejamos batendo à porta do que somos, como pedintes que são o Cristo."
R-393
"...a delícia do bocejo que pesa nos olhos frouxos tudo que
acaricia o esquecimento, fazendo sono, o sossego do repouso na cabeça, encostando, pé ante pé, as portas da janela na alma, o afago anônimo de dormir.
...Ergo-me, vou à janela, abro as portas com uma decisão de muita coragem. Luze um dia de chuva clara que me afoga os olhos em luz baça. Abro as próprias janelas de vidro. O ar fresco umedece-me a pele quente."
R-370
"Porque não pensando, não vendo, certo contentamento adquire-se, como o dos místicos e dos boémios e dos canalhas. Mas tudo afinal entra (em) casa pela janela da observação e pela porta do pensamento."
R-341
"Sentimo-nos um pouco à parte da vida, ainda que nela, como que na varanda da casa de viver. Estamos contemplativos sem pensar, sentimos sem emoção definível... Estou de facto à varanda da vida, mas não é bem desta vida."
 R-324
"Num intervalo de indolência cheguei à janela aberta do escritório - o calor a fizera abrir, a chuva não a fizera fechar - e contemplei com a atenção intensa e indiferente, que é o meu modo, aquilo mesmo que acabo de descrever com justeza antes de o ter visto."R-280 
"Mas, na minha visão crepuscular, só vagamente distingo o que essas vidraças súbitas, reveladas na superfície das coisas, admitem do interior que velam e revelam.Entendo sem conhecimento, como um cego a quem falem de cores."
R-254
"Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo;"
R-253*
"Cheguei à janela com os olhos quentes de não estarem fechados. Por sobre os telhados densos a luz fazia diferenças de amarelo pálido. Fiquei a contemplar tudo com a grande estupidez da falta de sono."
R-237
"Dizer que é uma angústia metafísica disfarçada, que é uma grande desilusão incógnita,que é uma poesia surda da alma aflorando aborrecida à janela que dá para a vida."
R-219
"Concluam-me a inconsciência e vida! Felizmente, pela janela fria, de portas desdobradas para trás, um fio triste de luz pálida começa a tirar a sombra do horizonte."
R-216
"Os móveis, maiores do que de dia, manchavam vagamente o absurdo da treva...Quanto à janela, eu só a ouvia."
R-205
"Viro as costas à janela cinzenta, de vidros frios às mãos que lhes tocam. E levo comigo, por um sortilégio da penumbra, de repente, o interior da casa antiga..."
R-176
"Em uma outra janela alta há gente que vê acabarem o trabalho. O mendigo que roça por mim pasmaria, se me conhecesse..." 
R-150
"Nada me pesa tanto no desgosto como as palavras sociais de moral. Já a palavra «dever» é para mim desagradável como um intruso. Mas os termos «dever cívico», «solidariedade»,  
«humanitarismo», e outros da mesma estirpe, repugnam-me como porcarias que despejassem sobre mim de janelas. Sinto-me ofendido..."

 R-141
"...dirijo-me à luz que paira, como agora, sobre os telhados das casas, que parecem molhados de tê-la de lado; ao agitar brando das árvores altas na encosta citadina, que parecem perto, numa possibilidade de desabamento mudo; aos cartazes sobrepostos das casas ingremadas, com janelas por letras onde o sol morto doira goma húmida."
 R-137
"Ergo-me, ergo o corpo nele mesmo, e vou até à janela, alta acima dos telhados, de onde posso ver a cidade ir a dormir num começo lento de silêncio. A lua, grande e de um branco branco, elucida tristemente as diferenças socalcadas da casaria. E o luar parece iluminar algidamente todo o mistério do mundo.Parece mostrar tudo, e tudo é sombras com misturas de luz má, intervalos falsos, desniveladamente absurdos, incoerências do visível. Não há brisa e parece que o mistério é maior.Tenho náuseas no pensamento abstracto.Nunca escreverei uma página que me revele ou que revele alguma coisa. Uma nuvem leve paira vaga acima da lua, como um esconderijo.Ignoro como estes telhados.Falhei, como a natureza."
 R-131
"Debruço-me, de uma das janelas de sacada do escritório abandonado ao meio-dia, sobre a rua onde a minha distracção sente movimentos de gente nos olhos, e os não vê, da distância da meditação...Os pormenores da rua parada onde muitos andam destacam-se-me com um afastamento mental...A gente que passa na rua é sempre a mesma que passou há pouco, é sempre o aspecto flutuante de alguém, nódoas de movimento, vozes de incerteza, coisas que passam e não chegam a acontecer."
 R-127
" Não sei nada. Ergo a cabeça de passeante e vejo que, sobre a encosta do Castelo, o poente oposto arde em dezenas de janelas, num revérbero alto de fogo frio. À roda desses olhos de chama dura toda a encosta é suave do fim do dia."

 R-92
" Atiro com a caixa de fósforos, que está vazia, para o abismo que a rua é para além do parapeito da minha janela alta sem sacada."
 R-91
" Se a nossa vida fosse um eterno estar à janela, se assim ficássemos, como um fumo parado, sempre, tendo sempre o mesmo momento de crepúsculo dolorindo a curva dos montes. Se assim ficássemos para além de sempre! Se ao menos, aquém da imposibilidade, assim pudéssemos quedar-nos, sem que cometêssemos uma acção, sem que os lábios pálidos pecassem mais palavras.
Olha como vais escurecendo!..."

 R-82
"Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida.Nunca tive outra preocupação verdadeira se não a minha vida interior.As maiores dores da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para dentro de mim, pude esquecer-me na visão do seu movimento."
 R-62
"Volvi os olhos para as costas do homem, janela por onde vi estes pensamentos." 
R-53
"Agora mesmo, que estou inerte no escritório, e foram todos almoçar salvo eu, fito, através da janela baça, o velho oscilante que percorre lentamente o passeio do outro lado da rua."
R-52 
"Quando quero descer na minha alma, fico de repente parado, esquecido, no começo da espiral da escada profunda, vendo pela janela do andar alto o sol que molha de despedida fulva o aglomerado difuso dos telhados"
R-45
"Sentado á janela contemplo com os sentidos esta coisa nenhuma da vida universal que está la fora"