Resto 259/a

" Se eu tivesse escrito o Rei Lear, levaria com remorsos toda a minha vida de depois. Porque essa obra é tão grande, que enormes avultam os seus defeitos...
Escrever uma obra de arte com o preciso tamanho para ser grande, e a precisa perfeição para ser sublime, ninguém tem o divino de o fazer, a sorte de o ter feito. O que não pode ir de um jacto sofre do acidentado do nosso espírito.
Se penso nisto entra com minha imaginação um desconsolo enorme, uma dolorosa certeza de nunca poder fazer nada de bom e útil para a Beleza. Não há método de obter a Perfeição excepto ser Deus. O nosso maior esforço dura tempo; o tempo que dura atravessa diversos estados da nossa alma,e cada estado de alma, como não é outro, qualquer, perturba com a sua personalidade a individualidade da obra. Só temos a certeza de escrever mal, quando escrevemos; a única obra grande e perfeita é aquela que nunca se sonhe realizar.
Escuta-me ainda, e compadece-te. Ouve tudo isto e diz-me depois se o sonho não vale mais que a vida. O trabalho nunca dá resultado. O esforço nunca chega a parte nenhuma. Só a abstenção é nobre e alta, porque ela é a que reconhece que a realização é sempre inferior, e que a obra feita é sempre a sombra grotesca da obra sonhada."