Refugo/034

Agi sempre para dentro... Nunca toquei na vida... Sempre que esboçava um gesto, acabava-o em sonho, heroicamente...Uma espada pesa mais que a ideia de uma espada... Comandei grandes exércitos — venci grandes batalhas, gozei grandes derrotas — tudo dentro de mim... 
Gostava de passear sozinho pelas alamedas e pelos grandes corredores e de comandar as árvores e desafiar os retratos das paredes... No grande corredor sombrio que há ao fundo do palácio passeei com a minha noiva muitas vezes...Eu nunca tive noiva real...Nunca soube como se amava...Apenas soube como se sonhava amar...Se eu gostava de usar anéis de dama nos meus dedos é que às vezes queria julgar que as minhas mãos eram de princesa e que eu era, pelo menos no gesto das minhas mãos, aquela que eu amava...
Um dia foram-me encontrar vestido de rainha...Eu estava sonhando que eu era a minha esposa régia...Gostava de ver a minha face reflectida porque podia sonhar que era a face de outra criatura — porque era de formas femininas, que era de minha amada que era a minha face reflectida... Quantas vezes a minha boca, tocou na minha boca nesse espelho!... Quantas vezes apertei uma das mãos com a outra, quantas adorei meus cabelos com a minha mão alheada para que parecesse dela ao tocar-me. Não sou eu que te estou dizendo isto... É o resto de mim que está falando.