Resto/448e

" Porque não acrediteis que eu escrevo para publicar, nem para escrever nem para fazer arte, mesmo.
Escrevo, porque esse é o fim, o requinte supremo, o requinte temperamentalmente ilógico,(...) da minha cultura de estados de alma. Se pego numa sensação minha e a desfio até poder com ela tecer-lhe a
realidade interior a que eu chamo ou A Floresta do Alheamento, ou a Viagem Nunca Feita, acreditai que o faço não para que a prosa soe lúcida e trémula, ou mesmo para que eu goze com a prosa – ainda que
mais isso quero, mais esse requinte final ajunto, como um cair belo de pano sobre os meus cenários sonhados – mas para que dê completa exterioridade ao que é interior, para que assim realize o irrealizável, conjugue o contraditório e, tornando o sonho exterior, lhe dê o seu máximo poder de puro sonho, estagnador de vida que sou, burilador de inexactidões, pajem doente da minha alma Rainha, lendo-lhe ao crepúsculo não os poemas que estão no livro, aberto sobre os meus joelhos, da minha Vida, mas os poemas que vou construindo e fingindo que leio, e ela fingindo que ouve, enquanto a Tarde, lá fora não sei como ou onde, dulcifica sobre esta metáfora erguida dentro de mim em Realidade Absoluta a luz ténue e última dum misterioso dia espiritual."