Resto/463b

"Que pode dar-me o conhecimento pessoal da criatura que assim amo em décor? Não uma desilusão, porque, como nela só amo o aspecto, e nada dela fantasio, a sua estupidez ou mediocridade nada tira, porque eu não esperava nada senão o aspecto que não tinha que esperar, e o aspecto persiste. Mas o conhecimento pessoal é nocivo porque é inútil, e o inútil material é nocivo sempre. Saber o nome da
criatura para quê? e é a primeira coisa que, apresentado a ela, fico sabendo.
O conhecimento pessoal precisa ser, também, de liberdade de contemplação, a que o meu gênero de amar deseja. Não podemos fitar, contemplar em liberdade quem conhecemos pessoalmente. 
O que é supérfluo é a menos para o artista, porque, perturbando-o, diminui o efeito. 
O meu destino natural de contemplador indefinido e apaixonado das aparências e da manifestação das coisas – objetivista dos sonhos, amante visual das formas e dos aspectos da natureza (...). 
Não é um caso do que os psiquiatras chamam onanismo psíquico, nem sequer do que chamam erotomania. Não fantasio, como no onanismo psíquico; não me figuro em sonho amante carnal, ou sequer amigo de fala, da criatura que fito e recordo: nada fantasio dela. Nem, como o erotômano, a idealizo e a transporto para fora da esfera da estética concreta: não quero dela, ou penso dela, mais que o que me dá aos olhos e à memória directa e pura do que os olhos viram."