" Entendemo-nos porque nos ignoramos. Que seria de tantos cônjugues felizes se pudessem ver um na alma do outro, se pudessem compreender-se como dizem os ramânticos, que não sabem o perigo - se bem que o perigo fútil - do que dizem. Todos os casados do mundo são mal casados, porque cada um guarda consigo, nos secretos onde a alma é do Diabo, a imagem subtil do homem desejado que não é aquele ...
A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma média alegre entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver. Somos contentes porque, até ao pensar e ao sentir, somos capazes de não acreditar na existência da alma. No baile de máscaras que vivemos, basta-nos o agrado do traje, que no baile é tudo. Somos servos das luzes e das cores, vamos na dança como na verdade, nem há para nós - salvo, se desertos, não dançamos - conhecimento do grande frio do alto da noite externa, do corpo mortal por baixo dos trapos que lhe sobrevivem, de tudo quanto, a sós julgamos que é essencialmente nós, mas afinal não é senão a paródia íntima da verdade do que nos supomos."