" Doem-me a cabeça e o universo. As dores físicas, mais nitidamente dores que as morais, desenvolvem, por um reflexo no espírito, tragédias incontidas nelas. Trazem uma impaciência de tudo que, como é de tudo, não exclui nenhuma das estrelas.
Não comungo, não comunguei nunca, não poderei, suponho, alguma vez comungar aquele conceito bastardo pelo qual somos, como almas, consequência de uma coisa material chamado cérebro, que existe, por nascença, dentro de outra coisa material chamada crâneo. Não posso ser materialista, que é o que, creio, se chama aquele conceito, porque não posso estabelecer uma relação nítida uma relação visual, direi - entre uma massa visível de matéria cinzenta, ou de outra qualquer, e esta coisa eu que por detrás do meu olhar vê os céus e os pensa, e imagina céus que não existem. Mas, ainda que nunca possa cair no abismo de supor que uma coisa possa ser outra só porque estão no mesmo lugar, como a parede e a minha sombra nela, ou que depender a alma do cérebro seja mais que depender eu, para o meu trajecto, do veículo em que vou, creio, todavia, que há entre o que em nós é só espírito e o que em nós é espírito do corpo uma relção de convívio em que podem surgir discussões. E a que surge vulgarmente é a de a pessoa mais órdinária incomodar a que o é menos."