" Passaram meses sobre o último que escrevi. Tenho estado num sono do entendimento, pelo qual tenho sido outro na vida. Uma sensação de felicidade translata tem-me sido frequente. Não tenho existido, tenho sido outro, tenho vivido sem pensar.
Hoje, de repente, voltei ao que sou ou me sonho. Foi um momento de grande cansaço, depois de um trabalho sem relevo. Pousei a cabeça contra as mãos, fincados os cotovelos na mesa alta inclinada. E, fechados os olhos, retrovei-me.
Num sono falso longínquo relembrei tudo quanto fora, e foi com uma nitidez de paisagem vista que se me ergueu de repente, antes ou depois de tudo, o lado largo da quinta velha, de onde, a meio da visão, a eira se erguia vazia.
Senti-me imediatamente a inutilidade da vida. Ver,sentir,lembrar,esquecer - tudo isso se me confundiu, numa vaga dor nos cotovelos, com o murmúrio incerto da rua próxima e os pequenos ruídos do trabalho sossegado no escritório quedo."