"Quando ontem me disseram que o empregado da tabacaria se tinha suicidado, tive uma impressão de mentira. Coitado,também existia!
...Mas que havia alma, havia, para que se matasse. Paixões? Agústias? Sem dúvida... Mas a mim, como à humanidade inteira, há só a memória de um sorriso parvo por cima de um casaco de mescla, sujo, e desigual nos ombros. É quanto me resta, a mim, de quem tanto sentiu que se matou de sentir, porque, enfim, de outra coisa se não deve matar alguém...Pensei uma vez, ao comprar-lhe cigarros, que encalveceria cedo. Afinal não teve tempo para encalvecer. É uma das memórias que me restam dele. Que outra me haveria de restar se esta, afinal,não é dele mas de um pensamento meu?
...Sim, os outros não existem...É para mim que este poente estagna, pesadamente alado, as suas cores nevoentas e duras. Para mim, sob o poente, treme, sem que eu veja que corre, o grande rio. Foi feito para mim, sob o poente, treme, sem que eu veja que corre, o grande rio. Foi feito para mim este largo aberto sobre o rio cuja maré chega. Foi enterrado hoje na vala comum o caixeiro da tabacaria? Não é para ele o poente de hoje. Mas, de o pensar, e sem que eu queira, também deixou de ser para mim..."