Resto/462f

"Os idealistas falsos da vida real fazem versos à Esposa, ajoelham à ideia de Mãe... O seu idealismo é uma veste que tapa, não é um sonho que crie.
Pura só tu, Senhora dos Sonhos, que eu posso conceber amante sem conceber mácula porque és irreal. A ti posso-te conceber mãe, adorando-o, porque nunca te manchaste nem do horror de seres fecundada, nem do horror de parires.
Como não te adorar, se só tu és adorável? Como não te amar se só tu és digna do amor? 
Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real noutra realidade; se não serás minha ali, num outro e puro mundo, onde sem corpo tátil nos amemos, com outro jeito de abraços e outras atitudes essenciais de posse? 
Quem sabe mesmo se não existias já e não te criei nem te vi apenas, com outra visão, interior e pura, num outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o pensar-em-ti, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amor não foram a obscura ânsia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria?
Não sei mesmo já (se) não te amei já, num vago onde cuja saudade este meu tédio perene talvez seja.
Talvez sejas uma saudade minha, corpo de ausência, presença de Distância, fêmea talvez por outras razões que não as de sê-lo."