Resto/469d

"Doem-me as superfícies das águas dos tanques que criei em sonhos. É minha a palidez da lua que visiono sobre paisagens de florestas. É o meu cansaço o outono dos céus estagnados que recordo e não vi nunca. Pesa-me toda a minha vida morta, todos os meus sonhos faltos, tudo meu que não foi meu, no azul dos meus céus interiores, no tinir à vista do correr dos meus rios na alma, no vasto e inquieto sossego dos trigos nas planícies que vejo e que não vejo.

Uma chávena de café, um tabaco que se fuma e cujo aroma nos atravessa, os olhos quase cerrados num quarto em penumbra... não quero mais da vida do que os meus sonhos e isto... Se é pouco? Não sei. Sei eu acaso o que é pouco ou o que é muito?
Tarde de verão lá fora como eu gostaria de ser outro... Abro a janela. Tudo lá fora é suave, mas pungeme como uma dor incerta, como uma sensação vaga de descontentamento.
E uma última coisa punge-me, rasga-me, esfrangalha-me toda a alma. É que eu, a esta hora, a esta janela, perante estas coisas tristes e suaves, devia ser uma figura estética, bela, como uma figura num quadro – e eu não o sou, nem isto sou...
A hora que passe e esqueça... A noite que venha, que cresça, que caia sobre tudo e nunca se erga. Que esta alma seja o meu túmulo para sempre, e que(...) se absolute em treva e eu nunca mais possa viver sem sentir ou desejar."