"A que propósito relembro? O cansaço. Lembrar é um repouso, porque é não agir. Que de vezes, para maior descanso, relembro o que nunca foi, e não há nitidez nem saudade nas minhas memórias das províncias onde estive como os que moram; tábua a tábua do soalho, oscilo o oscilar de outrem, nas vastas salas onde nunca morei.
De tal modo me converti na ficção de mim mesmo que qualquer sentimento natural, que eu tenho, desde logo, desde que nasce, se me transtorna num sentimento da imaginação – a memória em sonho, o sonho em esquecer-me dele, o conhecer-me em não pensar em mim.
De tal modo me desvesti do meu próprio ser que existir é vestir-me. Só disfarçado é que sou eu. E em torno de mim todos poentes incógnitos douram, morrendo, as paisagens que nunca verei."