Resto/460b

" Depois, entre as sensações que mais penetrantemente doem até serem agradáveis, o desassossego do mistério é uma das mais complexas e extensas. E o mistério nunca transparece tanto como na contemplação das pequeninas coisas, que, como se não movem, são perfeitamente translúcidas a ele, que param para o deixar passar. É mais difícil ter o sentimento do mistério contemplando uma batalha, e contudo pensar no absurdo que é haver gente, e sociedades e combates delas é o que mais pode desfraldar dentro do nosso pensamento a bandeira de conquista do mistério – do que diante da contemplação duma pequena pedra parada numa estrada, que, porque nenhuma ideia provoca além da
de que existe, outra ideia não pode provocar, se continuarmos pensando, do que, imediatamente a seguir, a do seu mistério de existir.
Benditos sejam os instantes, e os milímetros, e as sombras das pequenas coisas, ainda mais humildes do que elas! Os instantes(...). Os milímetros – que impressão de assombro e ousadia que a sua existência lado a lado e muito aproximada numa fita métrica me causa. Às vezes sofro e gozo com estas coisas. Tenho um orgulho tosco nisso.
Sou uma placa fotográfica prolixamente impressionável. Todos os detalhes se me gravam desproporcionadamente a haver um todo. Só me ocupa de mim. O mundo exterior é-me sempre evidentemente sensação. Nunca me esqueço de que sinto."