Resto/419a

"Sossego enfim. Tudo quanto foi vestígio e desperdício some-se-me da alma como se não fora nunca. Fico só e calmo. A hora que passo é como aquela em que me convertesse a uma religião. Nada porém me atrai para o alto, ainda que nada já me atraia para baixo. Sinto-me livre, como se deixasse de existir, conservando a consciência disso.
Sossego, sim, sossego. Uma grande calma, suave como uma inutilidade, desce em mim ao fundo do meu ser. As páginas lidas, os deveres cumpridos, os passos e os acasos de viver – tudo isso se me tornou numa vaga penumbra, num halo mal visível, que cerca qualquer coisa tranquila que não sei o que é. O esforço, em que pus, uma ou outra vez, o esquecimento da alma; o pensamento, em que pus, uma vez ou outra, o esquecimento da acção – ambos se me volvem numa espécie de ternura sem sentimento, de compaixão fruste e vazia."