"No nevoeiro leve da manhã de meia-primavera, a Baixa desperta entorpecida e o sol nasce como que lento. Há uma alegria sossegada no ar com metade de frio, e a vida, ao sopro leve da brisa que não há,
tirita vagamente do frio que já passou, pela lembrança do frio mais que pelo frio, pela comparação com o verão próximo, mais que pelo tempo que está fazendo.
Não abriram ainda as lojas, salvas as leitarias e os cafés, mas o repouso não é de torpor, como o de domingo; é de repouso apenas. Um vestígio louro antecede-se no ar que se revela, e o azul cora
palidamente através da bruma que se esfina. O começo do movimento rareia pelas ruas, destaca-se a separação dos peões, e nas poucas janelas abertas, altas, madrugam também aparecimentos. Os elétricos traçam a meio-ar o seu vinco móbil amarelo e numerado. E, de minuto a minuto, sensivelmente, as ruas desdesertam-se.
Vogo, atenção só dos sentidos, sem pensamento nem emoção. Despertei cedo; vim para a rua sem preconceitos. Examino como quem cisma. Vejo como quem pensa. E uma leve névoa de emoção se ergue absurdamente em mim; a bruma que vai saindo do exterior parece que se me infiltra lentamente."