"Há também as paisagens e as vidas que não foram inteiramente interiores. Certos quadros, sem subido relevo artístico, certas oleogravuras que havia em paredes com que convivi muitas horas - passam a realidade dentro de mim. Aqui a sensação era outra, mais pungente e triste. Ardia-me não poder estar ali, quer eles fossem reais ou não. Não ser eu, ao menos, uma figura a mais desenhada ao pé daquele bosque ao luar que havia numa pequena gravura dum quarto onde dormi já não em pequeno! Não poder eu pensar que estava ali oculto, no bosque à beira do rio, por aquele luar eterno(embora mal desenhado), vendo o homem que passa num barco por baixo do debruçar-se de um salgueiro! Aqui o não poder sonhar inteiramente doía-me. As feições da minha saudade eram outras. Os gestos do meu desespero eram diferentes. A impossibilidade que me torturava era de outra ordem de angústia. Ah, não ter tudo isto um sentido em Deus, uma realização conforme o espírito de nossos desejos, não sei onde,por um tempo vertical, consubstanciado com a direcção das minhas saudades e dos meus devaneios!
Não haver, pelo menos só para mim, um paraíso feito disto! Não poder eu encontrar os amigos que sonhei, passear pelas ruas que criei, acordar, entre o ruído dos galos e das galinhas e o rumorejar matutino da casa, na casa de campo em que eu me supus...e tudo isto mais perfeitamente arranjado por Deus, posto naquela perfeita ordem para existir, na precisa forma para eu o ter que nem os meus próprios sonhos atingem senão na falta de uma dimensão do espaço intimo que entretém essas pobres realidades...Ergo a cabeça de sobre o papel em que escrevo... E cedo ainda. Mal passa o meio-dia e é domingo."