Resto 16/17

Encaro serenamente, sem mais nada que o que na alma represente um sorriso, o fechar-se-me sempre a vida nesta Rua dos Douradores, neste escritório, nesta atmosfera desta gente. Ter o que me dê para comer e beber, e onde habite, e o pouco espaço livre no tempo para sonhar, escrever – dormir - que mais posso eu pedir aos Deuses ou esperar do Destino?
 

Tive grandes ambições e sonhos dilatados - mas esses também os teve o moço de fretes ou a costureira, porque sonhos tem toda a gente: o que nos diferença é a força de conseguir ou o destino de se conseguir connosco. 
Em sonhos sou igual ao moço de fretes e à costureira. Só me distingue deles o saber escrever. Sim, é um acto, uma realidade minha que me diferença deles. Na alma sou seu igual.
 

Bem sei que há ilhas ao Sul e grandes paixões cosmopolitas, e se eu tivesse o mundo na mão, trocava-o, estou certo, por um bilhete para Rua dos Douradores. 
Talvez o meu destino seja eternamente ser guarda-livros, e a poesia ou a literatura uma borboleta que, pousando-me na cabeça, me torne tanto mais ridículo quanto maior for a sua própria beleza. 
Terei saudades do Moreira, mas o que são saudades perante as grandes ascensões? 

Sei bem que o dia em que for guarda-livros da casa Vasques e C.a será um dos grandes dias da minha vida. Sei-o com uma antecipação amarga e irónica, mas sei-o com a vantagem intelectual da certeza.
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No recôncavo da praia à beira-mar, entre as selvas e as várzeas da margem, subia da incerteza do abismo nulo a inconstância do desejo aceso. Não haveria que escolher entre os trigos e os muitos, e a distância continuava entre ciprestes. 
O prestígio das palavras isoladas, ou reunidas segundo um acordo de som, com ressonâncias íntimas e sentidos divergentes no mesmo tempo em que convergem, a pompa das frases postas entre os sentidos das outras, malignidade dos vestígios, esperança dos bosques, e nada mais que a tranquilidade dos tanques entre as quintas da infância dos meus subterfúgios... Assim, entre os muros altos da audácia absurda, nos renques das árvores e nos sobressaltos do que se estiola, outro que não eu ouviria dos lábios tristes a confissão negada a melhores insistências. Nunca, entre o tinir das lanças no pátio por ver, nem que os cavaleiros viessem de volta da estrada vista desde o alto do muro, haveria mais sossego no Solar dos Últimos, nem se lembraria outro nome, do lado de cá da estrada, senão o que encantava de noite, com o das mouras, a criança que morreu depois, da vida e da maravilha. 
Leves, entre os sulcos que havia na erva, porque os passos abriam nadas entre o verdor agitado, as passagens dos últimos perdidos soavam arrastadamente, como reminiscências do vindouro. Eram velhos os que haveriam de vir, e só novos os que não viriam nunca. Os tambores rolaram à beira da estrada e os clarins pendiam nulos nas mãos lassas, que os deixariam se ainda tivessem força para deixar qualquer coisa. 
Mas, de novo, na consequência do prestígio, soavam altos os alaridos findos, e os cães tergiversavam nas áleas vistas. Tudo era absurdo, como um luto, e as princesas dos sonhos dos outros passeavam sem claustros indefinidamente.