" Sou uma espécie de carta de jogar, de naipe antigo e incógnito,restando única do baralho perdido. Não tenho sentido, não sei do meu valor, não tenho a que me compare para que me encontre, não sei do meu valor, não tenho a que sirva para que me conheça. E assim, em imagens sucessivas em que me descrevo - não sem verdade, mas com mentiras -, vou ficando mais nas imagens do que em mim, dizendo-me até não ser, escrevendo com a alma como tinta, útil para mais nada do que para se escrever com ela. Mas cessa a reacção, e de novo me resigno. Volto a mim ao que sou, ainda que seja nada. E alguma coisa de lágrimas sem choro arde nos meus olhos hirtos, alguma coisa de angústia que não houve me empola asperamente a garganta seca. Mas aí, nem sei o que chorara, se houvesse chorado, nem porque foi que o não chorei. A ficção acompanha-me, como a minha sombra. E o que quero é dormir."