Resto 383/a

" Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas na da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria. Considerar isto em pleno meio dessa angústia é a sabedoria inteira. No momento em que sofremos, parece que a dor humana é infinita. Mas nem a dor humana é infinita, pois nada há humano de infinito, nem a nossa dor vale mais que ser uma dor que nós temos.
Quantas vezes, sob o peso de um tédio que parece ser loucura, ou de uma angústia que parece passar além dela, paro, hesitante, antes que me revolte, hesito, parando, antes que me divinize. Dor de não saber o que é o mistério do mundo, dor de nos não amarem, dor de serem injustos connosco, dor de pesar a vida sobre nós, sufocando e prendendo, dor de dentes, dor de sapatos apertados – quem pode dizer qual é maior em si mesmo, quanto mais nos outros, ou na generalidade dos que existem?
Para alguns que me falam e me ouvem, sou um insensível. Sou, porém, mais sensível – creio – que a vasta maioria dos homens. O que sou, contudo, é um sensível que se conhece, e que, portanto, conhece a sensibilidade. Ah, não é verdade que a vida seja dolorosa, ou que seja doloroso pensar na vida. O que é verdade é que a nossa dor só é séria e grave quando a fingimos tal. Se formos naturais, ela passará assim como veio, esbater-se-á assim como cresceu. Tudo é nada, e a nossa dor nele."